Academia de Estudos Livres
Nível de descrição
Unidade de instalação
Código de referência
PT/MVNF/AMAS/DR/A/0013
Tipo de título
Atribuído
Título
Academia de Estudos Livres
Datas de produção
1910-07-18
a
1910-07-18
Dimensão e suporte
1 documento; papel.
História administrativa/biográfica/familiar
A Academia de Estudos Livres foi fundada em 1889. A iniciativa pertenceu à Maçonaria, através da loja «Simpatia e União» de Lisboa. Os seus Estatutos originais foram aprovados por Alvará de 10 de Setembro de 1889. São aí assumidos como objetivos “desenvolver o gosto pelo estudo e pela ciência” e “proporcionar aos sócios o conhecimento das ciências”. Tendo em vista a sua consecução, são previstas as seguintes atividades:A Academia promoverá conferências públicas sobre assuntos científicos e de interesse público; fará publicações, nomeadamente dessas conferências; manterá aulas, gabinete de leitura, biblioteca, gabinete de física, observatório, laboratório, museus; organizará uma oficina-escola que facilite aos investigadores os meios de trabalho mecânico e sirva também para a reparação dos instrumentos de estudo da Academia; facultará a quaisquer professores a abertura de cursos-livres e celebrará exposições. Em 1904, por via do Alvará de 24 de Junho, são aprovados novos Estatutos, os quais consignam a alteração da designação (através do acréscimo de um subtítulo) para Academia de Estudos Livres – Universidade Popular. Os objetivos e as atividades previstas mantêm-se, relativamente ao documento anterior. Uma alteração importante, datada desse mesmo ano de 1904, é a integração na Academia da preexistente Escola Marquês de Pombal, que passa a ser considerada, pelo Regulamento Geral da mesma escola, uma “Secção da Academia de Estudos Livres”, situada então no Alto do Pina (um bairro lisboeta). Alguns anos após, em artigo de uma das publicações da instituição, clarifica-se a história da escola:Foi fundada em 1882 por um grupo de dedicados amigos da instrução, sócios da loja maçónica Razão Triunfante, que por essa forma quiseram concorrer para o derramamento da instrução popular e, ao mesmo tempo, prestar homenagem ao grande vulto da nossa história – o Marquês de Pombal... Inaugurou-se em 21 de Maio daquele ano na Portela de Sacavém, com o título de Escola Marquês de Pombal – Sebastião José de Carvalho e Melo.Não deixa de ser curioso o facto de ambas as entidades serem de iniciativa maçónica. Os propósitos enunciados – e, em particular, “o derramamento da instrução popular” - são, de resto, coerentes com o contexto doutrinário em que a escola se insere, sendo igualmente significativo o nome da loja maçónica de onde ela emana – “razão triunfante”. A assunção do Marquês de Pombal como seu patrono é bem sintomática da incorporação desse vulto do absolutismo reformista – por via da sua política anti-jesuítica - na memória da nação, tal como é reconstruida pelo republicanismo, que se vai tornando a ideologia dominante nas lojas.A escola começa a funcionar na Portela de Sacavém (arredores de Lisboa) com 40 crianças pobres de ambos os sexos e uma professora, sendo transferida em 1899 para o já referido Alto do Pina. Em 1904, “quando se dissolveu o Grande Oriente de Portugal, em que estava filiada a loja maçónica Razão Triunfante, que ainda tinha a escola sob a sua proteção”, desenvolveram-se, então, negociações entre os dirigentes de ambas as instituições que concluíram com a integração da escola na Academia, aprovada nas respetivas assembleias gerais (8 e 9 de Setembro). O Regulamento Geral, então aprovado, anexa igualmente ao título a expressão «Aulas gratuitas para crianças pobres», especificando que se pretende “ministrar nesta Secção o ensino primário (1º e 2º grau), gratuito para crianças pobres de ambos os sexos, dos 6 aos 12 anos de idade”, para além de promover “conferências e outros trabalhos educativos”. A instituição compromete-se, ainda, a distribuir “livros e outros auxílios a alunos órfãos e de pobreza manifestamente reconhecida”. As preocupações com a educação popular e o filantropismo típico da maçonaria são uma presença visível.O Regulamento Geral em apreciação define as aulas como “diurnas” e manifesta, ainda, a preocupação com a necessidade de uma definição clara do tempo escolar, tanto no que se refere ao calendário – fixado entre Outubro e Agosto – como ao horário quotidiano,entre as 9h e as 16h, entrecortado por intervalos de 10m ao fim de cada hora, “para descanso dos alunos”, e de uma paragem de 30m para uma refeição. As aulas funcionariam “em todos os dias não declarados feriados”, sendo “as disciplinas a ministrar... as dos programas primários oficiais”. Fica claro que a educação popular a fomentar pelo movimento associativo de inspiração maçónica tem como referência o modelo escolar de educação então em fase de implementação, designadamente no que se refere às coordenadas espaciais e temporais do mesmo, já impregnadas de pressupostos de natureza pedagógica. Não é, por isso, de estranhar que se pretenda submeter os alunos a mecanismos de vigilância e de controlo disciplinar típicos do modelo escolar:Os alunos só podem ser admitidos nas aulas, apresentando-se decentes e limpos; devem respeitar os professores, conservar as suas carteiras e artigos de estudo em estado de irrepreensível asseio, não danificar estes nem os móveis da Secção, não se ausentar sem licença dos professores, não cometer faltas, as quais em todo o caso deverão sempre justificar com bilhete ou carta dos pais ou tutores, frequentar com assiduidade as aulas nos dias e horas que lhes forem marcados, apresentar-se nas aulas munidos dos livros e de todos os artigos indicados pelos professores.É bem visível, neste articulado, a presença de um projeto de integração social e de moralização dos costumes das crianças pobres a que a escola se destina. A limpeza pessoal, o cuidado com os materiais escolares, o respeito pelos professores, a assiduidade, são comportamentos incentivados e o não cumprimento das regras – sob a forma de “mau comportamento, falta de assiduidade ou de aplicação” - penalizado.O regulamento define, também, os principais rituais que deveriam pontuar a vida da instituição, em particular a sessão solene comemorativa do aniversário da fundação da escola (21 de Maio) e a “sessão solene de distribuição de prémios por ocasião da abertura das aulas”. Dos prémios farão ainda parte o “quadro de honra” e os “diplomas de mérito”, algo que será posteriormente alvo de contestação. Abre-se, finalmente, a possibilidade, em articulação com a Academia, da criação de “aulas noturnas para adultos”, uma opção que marcará decisivamente a atividade de ambas as instituições, dentro do espírito de universidade popular que passa a caracterizar a Academia.Em 1908 a escola é transferida para a nova sede da Academia na Rua da Paz (bairro de São Bento), passando a dispor de melhores condições de funcionamento e de um acompanhamento mais próximo por parte da direção da mesma. De 40 crianças e uma professora naquele ano, passou-se, no ano letivo de 1910/1911, a que nos iremos principalmente reportar, para 137 alunos matriculados (distribuídos por 4 classes) e 4 professoras, apoiadas ainda por um professor de ginástica e por um professor de música e canto, isto só na Escola Marquês de Pombal, porque a Academia de Estudos Livres possuía ainda 326 alunos nas aulas noturnas, tanto ao nível da instrução primária, como nas disciplinas então oferecidas: português, francês, inglês, desenho, matemática elementar, matemática financeira, economia política, contabilidade, taquigrafia, rudimentos de música, piano, violino, harmonia e curso livre de música, para além de um curso de admissão à Escola Normal.Como vimos, o ano de 1904 ficou assinalado pela incorporação de uma escola do ensino primário particular – que passará a ter grande visibilidade no conjunto das suas atividades - e pela assunção do seu carácter de universidade popular – de que os cursos noturnos são uma das suas marcas -, uma das primeiras, de resto, a aparecer em Portugal, à semelhança do que acontecia desde os últimos anos do século XIX também em França. Esta dicotomia enriquece-a, mas transporta também consigo alguma ambiguidade, como ulteriores discussões em assembleia geral se encarregarão de demonstrar.No cumprimento da sua vocação a Academia de Estudos Livres vai, então, desenvolver diversas atividades na área da vulgarização científica e cultural, as mais características das universidades populares, delas sendo exemplos a realização de cursos livres, conferências, visitas de estudo, etc. Em relação aos primeiros, surgem noticiados em 1910-1911, entre outros, os seguintes temas: «História Universal» (Agostinho Fortes), «História Social e Política da Península Ibérica» (José Augusto Coelho) e «Os Lusíadas» (Barbosa de Bettencourt). As conferências foram em grande número, destacando-se as seguintes: «Literatura portuguesa no século XIX» (Fidelino de Figueiredo), «A educação na futura democracia» (Fidelino de Figueiredo), «Porque precisamos saber Física» (Almeida Lima), «O que deve ser uma educação moderna» (Reis Santos), «O céuportuguês – lições de astronomia» (Pedro José da Cunha) e «Unificação de Itália» (Agostinho Fortes). Para além da relevância dos temas ligados à História e à Literatura portuguesas, por razões que se prendem com formação cultural de cariz patriótico pretendida pelos sectores republicanos, sublinhe-se a presença dos temas científicos, em conformidade com a ideia, muito presente nos meios ligados à educação popular, de que é possível levar esses conhecimentos até ao povo.As visitas de estudo e excursões constituíam uma das atividades mais acarinhadas pela Academia. Nesse ano foram visitados, entre outros, os locais a seguir indicados: a cidade de Tomar, o Mosteiro dos Jerónimos, o Museu Nacional de Belas Artes, o Museu Nacional dos Coches, o Aqueduto das Águas Livres, uma Fábrica de Chocolate, a Vila de Sintra (numa visita guiada por um arquiteto muito ligado às construções escolares - Adães Bermudes), a Torre de Belém, A Figueira da Foz e o Buçaco (neste caso uma excursão no Verão) e a Estação Elevatória de Água dos Barbadinhos. A Academia – como, de resto, todos as escolas da época que afirmam fazer “educação moderna” – é fortemente marcada pelo seu carácter excursionista. As saídas são muito frequentes e tanto têm como objetivo a visita a monumentos e museus – tendo em vista o aproveitamento das potencialidades educativos que lhe estão subjacentes -, a fábricas, para um contacto in loco com a realidade social, ao campo ou à praia, na procura dos benefícios decorrentes de uma relação mais próxima com a natureza e dos exercícios físicos a ela inerentes.Foram, igualmente, realizados vários concertos de música clássica, para além de concertos com o Quarteto Silveira Pais, o professor de música na Academia. Encontramos aqui espelhada, de novo, a crença na possibilidade de popularizar uma arte e uma cultura consideradas, à partida, como de carácter erudito e dirigidas a um público mais elitista. O quotidiano da Academia e da sua escola era, ainda, pontuado pela realização de festividades diversas, de que são exemplo a festa de aniversário da escola, a festa evocativa do aniversário da morte de Camões (10 de Junho) ou a Festa da Árvore, para além de outros eventos comemorativos, como o relativo à unificação italiana ou o cortejo aos Jerónimos em homenagem a Alexandre Herculano.Joaquim Antônio de Sousa PintassilgoFonte: Bernardino Machado. http://manuel-bernardinomachado.blogspot.com/2010/12/o-projecto-pedagogico-das-universidades.html
Idioma e escrita
Português